Faltou criatividade para o título

novembro 08, 2020




Ei! Eu estou aqui hoje escrevendo para dizer que não sabia sobre o que escrever, mas tinha uma carta na manga! Uma carta guardada para quando eu estivesse sem muita criatividade. E sabe qual é a minha melhor saída para o meu bloqueio criativo? Isso mesmo, escrever sobre o próprio bloqueio!

Então esse texto é basicamente uma metalinguagem. A “bloqueada” usando o bloqueio para falar do próprio bloqueio (nossa, já usei essa palavra demais no texto).

Lembro que já falei aqui sobre bloqueio literário, mas não é o caso dessa vez. Agora estou falando não sobre não conseguir consumir literatura, mas sobre a ideia que não quer sair da minha cabeça para virar um documento de Word, depois uma página no site e assim por diante.

Quero ressaltar, portanto, que não sou nada original em pensar sobre isso! Aliás, há alguns dias durante uns conflitos sobre minha escrita, uma amiga me convenceu de que não existe mais essa tão sonhada originalidade. O que existem são nossos pontos de vista, nossas perspectivas e tudo que podemos acrescentar a uma obra.

Não existe uma ideia totalmente original. Mas eu escrevo com a minha bagagem de vivências, conhecimentos, culturas e isso que faz o meu texto ser único.

Como quero trazer outras perspectivas, vou citar poesias sobre essa mesma angústia que estou tratando aqui.

Para começar, vou citar aqui um poeminha que acho que muita gente viu na escola (foi lá que conheci também). Se trata desses versinhos de Carlos Drummond de Andrade:



Gastei uma hora pensando um verso

que a pena não quer escrever.

No entanto ele está cá dentro

inquieto, vivo.

Ele está cá dentro

e não quer sair.

Mas a poesia deste momento

inunda minha vida inteira.



Eu acho essa composição uma gracinha, principalmente porque eu consigo visualizar uma (ou mais) cena ocorrendo nela. Imagino Drummond numa varanda bebendo um whisky e pensando “por que eu não consigo bolar nada sobre isso? Olha essa música que ta tocando, olha o curso da minha vida, olha esse momento que eu to vivendo, com certeza ele é intenso, mas não consigo expressá-lo de forma alguma”.

Então ele fez esses versos basicamente pra dizer: “então, galera, estou aqui pensando muitos pensamentos e sentindo muitos sentimentos só não sei dizer o que é, mas que fique claro que eu estou SENTINDO COISAS”. Não com essas palavras, é claro, mas dá no mesmo.

Outro poema que me traz essa angústia de bloqueio é “Fogo Fátuo”, do Olavo Bilac. Vou deixar um trecho aqui:



Cabelos brancos! dai-me, enfim, a calma

A esta tortura de homem e de artista:

Desdém pelo que encerra a minha palma,

E ambição pelo mais que não exista;

Esta febre, que o espírito me encalma

E logo me enregela; esta conquista

De idéias, ao nascer, morrendo na alma,

De mundos, ao raiar, murchando à vista:



Esse já é bem mais dramático e menos claro que o outro sobre o que representa. Ele nem fala somente sobre bloqueio, mas eu gosto de interpretá-lo assim. Quando ele fala sobre a “tortura de homem e de artista” é como se o poeta estivesse sempre com sentimentos aflorados e não as colocar para fora lhe provocasse um sufocamento. Calma, Olavinho, você não precisa fazer poesia de tudo não.

Se bem que no tempo do cara tinha um povo que fazia um poema inteiro falando sobre um vaso chinês, né? Análise crítica, obsessão ou falta do que fazer? Nunca saberemos.

Eu vou soltar o último poema aqui e dizer que havia muito muito tempo que eu não lia poemas, não é algo que eu consuma muito e a prática de escrevê-los ficou presa lá na Gabriellinha do ensino médio sentada no corredor da escola. Mas foi bom fazer isso outra vez, tinha até esquecido que eu gostava bastante de Mário Quintana. Aliás, o último texto é dele e se chama “O pobre poema”:



Eu escrevi um poema horrível!

É claro que ele queria dizer alguma coisa...

Mas o quê?

Estaria engasgado?

Nas suas meias-palavras havia no entanto uma ternura mansa como a que se vê nos olhos de uma criança doente, uma precoce, incompreensível gravidade

de quem, sem ler os jornais,

soubesse dos sequestros

dos que morrem sem culpa

dos que se desviam porque todos os caminhos estão tomados...

Poema, menininho condenado,



bem se via que ele não era deste mundo nem para este mundo...

Tomado, então, de um ódio insensato,

esse ódio que enlouquece os homens ante a insuportável

verdade, dilacerei-o em mil pedaços.



E respirei...

Também! quem mandou ter ele nascido no mundo errado?



Absurdo, gente, absurdo. A pessoa faz um poema, acha ruim e depois faz um poema falando que tentou escrever e detestou tanto que jogou fora. A raiva que me dá é que eu fiquei curiosa pra saber como era essa poesia de outro mundo e nunca vou saber.

Na minha opinião, Mário atingiu outro patamar aqui. Em vez de se forçar a revisar, corrigir, produzir mais e mais, ele disse: “cara, to nem aí. Ficou ruim essa merda, vou rasgar e dane-se tudo. Vou aqui fazer uma autocrítica porque eu acho massa”.

É terrível tentar fazer algo dar certo incansavelmente quando parece que o erro ta na essência e não em elementos que você pode reorganizar. Eu to falando da escrita e não da vida, relações etc, mas se quiser interpretar assim também quem sou eu pra julgar.

Enfim, eu disse que falar sobre o bloqueio é minha saída quando quero escrever, não a solução. Assim como não era para os artistas citados.

O que acontece é que, quando você pensa nos seus bloqueios, você pode também entender o que está acontecendo por trás, entrar na raiz do problema. Ou você pode simplesmente escrever sobre o bloqueio e mais nada. Neste blog não trabalhamos com soluções mágicas!

O melhor mesmo é dar tempo para você, para suas ideias. Enquanto isso você pode fazer coisas mais técnicas, como anotar temas que você quer abordar, fazer tópicos com suas ideias, procurar referências, estruturar a obra para quando você sentir que pode desenvolver o que planejou.

Mas, novamente, isso são coisas que funcionam para mim. Se você simplesmente quiser afundar num travesseiro gritar ou qualquer outra coisa, quem sou eu pra me meter no seu processo criativo?

Só se faça pensar mais sobre o que você quer de fato externalizar e o que você se cobra a produzir. Você não precisa expressar tudo que sente, as vezes é bom só sentir algo pelo puro e simples ato de sentir.

2 comentários

  1. Que texto perfeito! É sobre sabe? Amei

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  2. eu fico feliz que você encontrou uma forma de talvez não contornar o problema, mas certamente de tratar dele. ser alguém que cria coisas é uma vida cheia de agonias porque a maioria dos nossos problemas só são resolvidos de dentro, mas é confortador ver que não é uma experiência individual KKKKKKKKKK aliás, adorei o poema do Mário Quintana que eu não conhecia até então. excelente texto 💕

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