O Circo Foi Embora

junho 26, 2022

 

Foto de sergio souza / Pexels



O circo foi embora. E eu não fui

De besta que eu sou

Porque ele tava ali

Eu poderia ter ido, mas esperei o momento certo

Sem nem saber como identificá-lo



O circo foi embora

Estava passando e ônibus e senti um vazio

Ao notar não tinha mais aquelas lonas vermelho e branco

Esse é o problema de se acostumar com o extraordinário

Me acostumei com as cores do circo e agora parece tudo opaco



O circo ter ido embora

Significa que o carro de som colorido não vai mais passar na minha rua

Agora minha rua está barulhenta

Não que antes ela estivesse silenciosa

Mas agora só restaram os sons que eu não gosto

Ou seja, barulhos



O carro do circo me lembrava infância

Cidade pequena, campo de areia e aconchego

Acabou o aconchego do circo

E sem eu ter ido

E a culpa é toda minha



Coloquei todos os entraves para ir ao circo

Primeiro o dinheiro

Depois o tempo

Depois julguei que aquele circo não era bom

Baseada em uma ou duas atrações que ouvi no carro de som

Como se eu tivesse alguma propriedade para julgar



O circo foi embora intocado por mim

Talvez eu tenha tido medo de chegar mais perto

De assistir ao espetáculo

De me desprender das idealizações que fiz sobre ele

E agora me pergunto se eu não queria ir ao circo

Ou se eu não queria me deparar com a realidade



Será que mais alguém sente falta dele como eu sinto?

Será que alguma criança fez amizade com os palhaço como faziam na minha infância?



O circo foi embora

E eu perdi a oportunidade de chegar mais perto

Assim como perdemos oportunidades por esperar o momento certo

(ninguém sabe que momento é esse)



Agora que o circo foi embora

Só resta a normalidade, o barulho da rua e o vazio onde ele ficava

Resta um pouco de frustração em mim por não ter ido ao circo

Mas o que mais resta e que prefiro guardar

É a memória de que o circo estava ali

E de que durante algumas semanas

O meu dia teve mais cores



Os bastidores da obra



O poema "os circo foi embora" é sobre um circo. Ele foi embora. Mais óbvio impossível. 

Durante uns dois meses, um circo fez morava aqui em Brasília. O nome dele, o tamanho, a fama, nada disso importa. Era um circo como muitos que montavam acampamento num campo de areia da minha cidade. Era um evento. A gente ia ver eles montando, eles desmontando, por vezes até uma ou outra criança do circo se matriculava na escola e ficávamos sabendo de vários bastidores.

Quando eles iam embora, era como se todos os habitantes saíssem de um estado de transe. Tudo havia mudado ao longo daquele período, mas ele acabou. Agora estava tudo absolutamente normal, mas nenhum de nós estava como antes. Algo de invisível ali tinha mudado. 

Enfim, o circo que se instalou em Brasília me lembrou o tempo que íamos assistir ao espetáculo caminhando á noite. Um dezena de crianças. Ou mais crescidos tomavam conta do grupo. Tem muito tempo que não vou ao circo, então a possibilidade de ir em um me encheu de alegria. Eu não queria um circo grande com artistas renomados. Queria aquele circo de bairro, com táxi maluco, palhaços meio zoados, mas eu não sabia se os circos daqui tinham as mesmas atrações dos que iam para São Raimundo. E também não sabia se eu acharia a mesma graça, já que minha infância ficou para trás há um tempinho. 

E, para me lembrar ainda mais da minha cidade, ele ainda tinha um carro de som! Um carro de som, no centro da capital federal. Eu não achei que veria isso por aqui. Ele passava todos os dias e me acostumei a ouvi-lo. Ele falava alguma coisa tipo "artistas premiados e o gigante gorila King Kong!". Eu não acho que ia gostar muito desse King Kong, mas me divertia muito ouvindo o carro anunciar as atrações. Quando ele passava, eu nunca me atrevia a olhar pela janela para vê-lo passar, eu queria apenas imaginar como ele seria. Até que um dia estava saindo de casa e passei por ele: era uma kombi colorida cheia de palhaços desenhados. Bem mais legal do que eu imaginava (na minha imaginação era um Del Rey vinho com uma caixa de som em cima).

Eu olhei em direção ao carro e motorista me deu tchauzinho. Fiquei feliz.

Passei dias e dias planejando ir. Pensava em ir com um amigo, depois com outro, até que cheguei à conclusão de que talvez eu quisesse ir sozinha. Ter um momento só meu. Será que alguém já olhou para mim e pensou "liberdade ou solidão?"?. Ultimamente tenho gostado tanto de andar só...

Quando foi na quarta-feira, eu passei de ônibus e não avistei a estrutura do circo pela janela. Condenei as mil encarnações de mim mesma. Como eu pude deixar essa oportunidade passar?????

Mas essa não foi a primeira vez, e nem a última.  

Cometo o erro (ou todos nós cometemos) de esperar demais para fazer algo, esperar o momento certo, esperar as condições certas. E, agora que o circo foi embora, percebi que eu só precisava de um impulso. Precisava esperar menos, ou não esperar nada. Se o circo era bom ou ruim? A questão vai ficar me rondando por um tempo. Mas, sinceramente, eu preferia ter ido e odiado todo o espetáculo do que ficar com essa incerteza.

Assim como no circo que foi embora e eu não fui, os maiores arrependimentos vem das coisas que deixamos de fazer.


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