A quilômetros da barbárie

janeiro 09, 2023

 Foto: TON MOLINA / AFP



O dia de hoje foi terrivelmente difícil para mim. E para outras pessoas também, pelo mesmo motivo.

Todos aqui vem acompanhando os atos de vandalismo e crimes antidemocráticos de bolsonaristas na Praça dos Três Poderes. Cada detalhe dessa história me deixa mais angustiada e com medo. Mas o mais estranho pra mim é que, por morar em Brasília, isso tudo não é só um atentado na sede do Governo Federal. É uma barbárie na minha vizinhança.

A proximidade física e aquela ocasionada que a profissão que escolhi tornam tudo ainda pior. Eu acho que tenho um certo delay para sofrer pelas coisas, porque ontem estava eu tomando um café e escrevendo meu tcc quando soube das notícias. Não vou dizer que fiquei chocada de primeira porque todo mundo já esperava que isso iria acabar acontecendo. E isso é o que dói mais. O quão omisso e conivente é necessário ser para não ser capaz de combater o óbvio?

Eu fiquei triste, claro, mas tentei me desligar para focar nos meus trabalhos. Quando voltei a ficar online, fui bombardeada pela notícia da intervenção federal. Essa parte, pelo menos para mim, não era fácil de prever. Eu comecei a ficar cada vez mais horrorizada até a gota d'água: o roubo do exemplar da constituição. Foi ali que entendi o quão grave era tudo isso, no sentido até mesmo do quanto eles avançaram dentro dos prédios. Em todos esses anos, eu nunca tinha visto ninguém nem perto de conseguir ocupar o Congresso. O STF para mim nem parecia possível de transpor. Mas tudo isso aconteceu, e a minha revolta foi crescendo.

A revolta e a impotência demoraram ainda algumas horas para surtir efeito. Mas surtiram. E quando tomaram conta de mim, eu só soube murchar. Minha dor me fez encolher na cama como se esperasse o pior. Ainda espero, na verdade, o pesadelo ainda não acabou.

Acordei no dia seguinte, tomei café e peguei meu ônibus para trabalhar. Tudo isso parecia completamente insano, como poderia existir uma Brasília vivendo a normalidade e outra em completa barbárie em uma distância de 5km ou menos?

Lia as notícias. Lia o que mandavam nos grupos de jornalistas. Via relatos de colegas de profissão, alguns que eu até mesmo conhecia. O fato de encontrar uma pessoa diariamente e saber que ela viveu momentos tenebrosos como aqueles torna as coisas ainda mais reais.

Cheguei no estágio. Uma empresa de comunicação pública onde há poucos dias havia pisado o ministro da Secretaria de Comunicação e onde os funcionários estavam esperançosos com os novos tempos que se iniciam.

Conversei com alguns amigos sobre o ocorrido, não existia outra pauta para diálogo além dessa. Sentei na minha mesa e abri uma matéria que estava esperando pra ler no computador: um relato de um jornalista do O Tempo torturado por esses criminosos, ameaçado de morte. Resisti ao ímpeto de chorar, mas talvez devesse ter chorado. É a situação mais triste que presenciei na política desse país. Poderia ter sido um amigo meu, poderia ser eu se eu fosse repórter de rua. Não que eu não sinta tristeza pelo que aconteceu com o jornalista, é só que todos, absolutamente todos os "e se" são dolorosos, não existe uma forma menos ruim de ver o que aconteceu.

É doloroso ler, ouvir, ver os estragos. É doloroso lembrar que isso tudo aconteceu. E durante o dia eu só soube tentar fazer com que eu esquecesse um pouco de tudo isso. Uma comida legal, um dia tentando me distrair, mas, ao mesmo tempo a culpa e o espírito de jornalista dizendo "não tem como esquecer, esse não é um momento para esquecer o caos que estamos vivendo, é hora de lutar".

Me encontro neste momento no estado não de me alienar, isso não há possibilidade, mas de dar um descanso para minha mente e para meus medos. Não vou esquecer da gravidade de tudo, mas o que quero agora é que essa revolta que me derruba e me deixa inerte se transforme em força, porque ninguém que mexeu com os nossos pode sair impune.

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